
Esta crônica, para justificar a interrupção de nosso contato diário até a Quarta-feira de Cinzas, paradinha obrigatória e tradicional deste blog desde a sua criação, há doze anos, foi escrita quando o galo começou a cantar e os raios a florescer na janela da minha casa. Para dar notícias rápidas e em primeira mão, razão da existência dos blogs, costumo acordar com as galinhas, como se diz no meu Sertão.
Quando escrevo crônicas, entretanto, adoto como companhias a solidão e o silêncio da madrugada, quebrado apenas pelo tic-tac do relógio. Crônica não é coisa de pensamento, é coisa de visão. Uma crônica não é para ser pensada na cabeça. É para ser vista com os olhos e guardada no coração. Os cronistas, como os poetas, por terem olhos diferentes, veem o mundo ao contrário. A verdade deles é o oposto a verdade dos realistas.
Os realistas querem andar para a frente, progredir, evoluir. Os cronistas e poetas sabem que a alma não deseja ir para a frente. A alma é movida pela saudade. A saudade não deseja ir para a frente. Ela deseja voltar. Carnaval é alegria, mas também é saudade. Quando vejo os foliões esbanjando felicidade pelas ruas do Recife bate a saudade dos velhos carnavais em Afogados da Ingazeira.
Tenho a impressão de que saudade é o sintoma de que uma coisa amada perdida saiu do túmulo. Enquanto escrevo, já pensando no meu descanso carnavalesco, para o qual separei os livros que lerei, ouço a sonata do silêncio da rua. É linda. Suas notas são compostas pelos grilos, iluminadas pelos vagalumes, saídas de um imenso buraco dolorido da minha alma que se chama saudade.
No Sertão, onde fui criado, um lugar de saudade era o fogão de lenha, que sumiu da paisagem da minha terra, porque com o tempo compreendi que eles mesmos são fantasmas de um mundo que não mais existe. Quando menino, lá em Afogados da Ingazeira, nas noites frias de São João, a gente se reunia na cozinha, todos assentados em volta de uma bacia cheia de brasas. Era bom o calor do fogo.
Há 12 anos – como o tempo passa – recorro a crônicas, como esta, para me despedir de você, caro leitor, por quatro dias, reinado do momo. Já brinquei muito o Carnaval, mas com o tempo e a fadiga do trabalho do dia a dia, compreendi que o melhor não seria cair na folia, mas o recolhimento a uma praia, para ouvir a sinfonia do mar, o balanço das ondas e o namoro da lua com as águas salgadas quando o sol se despede.
O místico medieval Angelus Silésius disse que o homem tem dois olhos. “Com um ele vê coisas que passam no tempo. Com o outro ele vê o que é eterno e divino”. Aprendi com a lição que entre o tempo da concepção do blog ao caminhar da primeira etapa vencida, com muito suor e lágrimas, o primeiro olho permitiu romper a fronteira do ceticismo.
Aprendi também que os trunfos não se encontram no final do caminho, nem na partida nem tampouco na chegada, mas na travessia. A consolidação do meu blog é a maturação da travessia do jornalismo impresso para o digital. Amo a minha vocação, que é escrever para dar notícias. Jornalismo é uma vocação bela.
Lutam melhor aqueles que têm sonhos belos, guerreiros ternos. A experiência bem-sucedida no blog, graças ao bom Deus, me permite inferir e compartilhar com os leitores que, além de amar o que se faz, em qualquer profissão tem de saber. E o saber leva tempo para crescer.
Bom Carnaval e até Quarta-feira de Cinzas!
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