quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Familiares de sequestrador participaram de ação que resultou na sua morte

Segundo o comandante do Bope, o tenente-coronel Maurílio Nunes, a conversa com os familiares influenciou na decisão de atirar



Enquanto todos os olhos estavam voltados para o ônibus cruzado no meio da pista, o cerco da polícia e o aglomerado de gente que se formou, outros dois personagens importantes para o desfecho do sequestro do ônibus 2520 passaram despercebidos na ponte Rio-Niterói na manhã da última terça (20).

Eram a mãe e um primo de Willian Augusto da Silva, 20, que estavam a metros de distância quando o jovem foi morto por seis tiros. Ambos foram ao local do crime, e ao menos o primo conversou com policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope), em sigilo, durante a ação.

Enquanto tudo acontecia, um terceiro parente também tentava ajudar os agentes a traçar o perfil do sequestrador por telefone, após ter procurado uma delegacia e ter sido levado a um batalhão próximo à área. Segundo o comandante do Bope, o tenente-coronel Maurílio Nunes, a conversa com os familiares influenciou na decisão de atirar.

"Ele estava muito desconexo. Uma hora ele queria dinheiro para não matar, em outra queria se suicidar, em outro momento dizia que ia tacar fogo no ônibus. Com essa dificuldade de conexão, junto ao perfil traçado pela psicóloga, junto aos depoimentos dos familiares que nós colhemos, nós identificamos que não dava mais tempo de jogar com a sorte", disse ele nesta quarta (21) à imprensa.

Foi então que o comandante, gerente da crise, percebeu que a negociação já não era mais uma possibilidade e autorizou que os snipers, posicionados em diferentes ângulos –a corporação não informa quantos alegando questões de segurança–, disparassem quando julgassem possível. Willian tombou na escada do ônibus ao sair pela porta por alguns segundos.

Depois do sinal de positivo do atirador e da comemoração dos policiais, porém, a sensação dos familiares foi outra. Ficaram desolados por não terem conseguido contato com o jovem na ponte. "Eu tentei, eu tentei", dizia o primo no velório, segundo uma antiga professora de Willian, Maria Nascimento. 

Ele repetia que podia ter evitado a morte, que havia pedido para que não atirassem e dito que iria conversar com o primo, mas que não foi ouvido. Chegou a se comunicar com Willian por um rádio usado pelos negociadores da polícia, mas ele respondeu que não queria falar com ninguém. "Ele não ia me fazer nenhum mal, tenho certeza", falava, de acordo com Maria.

A mãe também tentou chegar até o ônibus. "Ela poderia ter chegado até ele, mas ninguém abriu caminho. O próprio delegado da 74ª [delegacia] maltratou a mulher. Ela queria porque queria passar, chegar até o ônibus, tentar negociar com o filho dela", conta a professora.

A polícia não deixou. "Nós não podemos diretamente colocar a família naquele local, porque pode colocá-los em risco. Dependendo da relação dele com a família, que nós não sabíamos qual era, poderia até aumentar o grau de agressividade dele", explica o comandante do Bope.

Os contatos com Willian não estavam sendo fáceis. Segundo o tenente-coronel –que não soube precisar como o rádio foi dado para o sequestrador antes da chegada do batalhão especial–, ele se comunicava e depois se retraía. Então vinha um pedido sem sentido.

Armado com uma pistola de brinquedo, uma faca, um "taser" (arma não letal de eletrochoque) e um galão de gasolina, ele pedia ora dinheiro, ora um carro para fugir. Chegou a perguntar qual era a altura da ponte, pois dizia se jogaria dela com um refém. 

O vínculo entre negociador e sequestrador se perdeu por alguns momentos quando Willian viu um carro da polícia se movimentando pela transmissão das TVs no celular. Ele ficou nervoso e pediu que o veículo fosse mudado de lugar, o que fez as emissoras serem proibidas de sobrevoar a área.

A gota d'água para a decisão de acionar os "snipers" foi quando o jovem apareceu na porta apontando a arma para a cabeça de um homem. Antes disso, porém, seu perfil, suas ações e suas falas já eram analisadas pela equipe do Bope, incluindo uma psicóloga.

Via de regra, essa equipe é dividida em três subgrupos: negociação e análise, retomada e resgate e atiradores de precisão. Todos na operação tinham ao menos 20 anos de experiência, segundo o porta-voz e capitão Wellington Moreira.

Para entrar no Bope é preciso passar por dois anos de Polícia Militar, ser aprovado em um concurso e depois em testes físicos, psicológicos e técnicos. São cerca de cinco meses de formação para chegar às operações especiais, sendo que só um quinto termina o curso. O policial então pode se especializar na área que quer seguir, como a de atirador, que exige um perfil centrado e tranquilo.

Eles passam por treinamentos internos e também simulações específicas em locais passíveis de crises, como o estádio do Maracanã, metrô, ônibus e barcas, em horários alternativos. A ponte Rio-Niterói já havia sido palco de exercícios, inclusive com ônibus e rapel, afirmou o comandante sem dar mais detalhes.

Ele avaliou que a operação da última terça teve "99% de aproveitamento". 

Questionado sobre o outro 1%, citou variáveis que fugiram ao controle dos agentes, como a morte do sequestrador. "Aí é uma questão de busca do aperfeiçoamento contínuo. Vamos fazer estudos de caso mais aprofundados, avaliar mais detalhes da ocorrência."

Enterro Cerca de 70 pessoas acompanharam no fim da tarde desta quarta-feira (21) o velório e o enterro de Willian Augusto da Silva. 

Seu corpo foi velado por familiares e pessoas próximas no cemitério Parque da Paz, no Pacheco, em São Gonçalo. O bairro é vizinho ao Jardim Catarina, onde o jovem morava com a família.

Um homem que não quis se identificar pediu à reportagem que permanecesse em uma área afastada do velório, junto a outros profissionais de imprensa, em respeito ao luto da família. Perguntado, ele disse ser familiar de Silva e afirmou que que a família não falaria com a imprensa nesta terça.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), disse na terça-feira (20) que havia conversado com a família de Silva e determinado que a recém-criada Secretaria Estadual de Vitimização desse assistência aos reféns e à família do rapaz.

"Eles ficaram sabendo do sequestro pela TV. A família tem consciência de que era um rapaz mentalmente transtornado", disse a major Fabiana Silva.

Por meio de nota, a pasta informou que ofereceu auxílio para dar entrada em um processo de gratuidade do enterro, mas que a família decidiu arcar com os custos por meio de um plano funerário mantido pela avó do jovem.

Por volta das 17h15, o cortejo fúnebre saiu da capela com algumas pessoas chorando e desceu a rua sob o céu nublado até o local de sepultamento de Silva.

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