quarta-feira, 17 de julho de 2019

Jogadora do Sport faz desabafo sobre falta de estrutura do futebol feminino: "É humilhante"

Sofia Sena relata condições do clube, detalha falta de apoio e reclama da logística da CBF para as viagens das equipes




Negra, nordestina e com olhar determinado. Aos 25 anos, Sofia Sena carrega uma história quase que unânime entre as meninas que se arriscam no futebol brasileiro. A diferença? Ela resolveu falar. Não por ser a única com vontade expressar as dificuldades, mas por ter tido algo raro: oportunidade. O peso nas palavras, que foram notadas após o Rubro-negro perder por 9 a 0 do Santos, no último domingo,tem um objetivo: melhorar, mesmo que minimamente, a vida das companheiras de clube. Em um pequeno quarto da casa onde mora, no bairro do Jordão, zona sul do Recife, a armadora do Sport mostra toda a frustração pelo momento do clube no Brasileiro feminino e pela forma como a categoria é tratada no Brasil.

- Eu sei que posso ser punida. Não é que isso não me importe, mas eu preciso falar. Eu preciso falar não só por mim, mas por todas as mulheres que estão no clube, por todas que estão jogando a competição. Não foi um desabafo, é a realidade. Eu sei que o clube está em crise, que acontecem coisas internas, mas é que falta o mínimo. Eu só queria um pouco de cuidado, sabe? Cuidar do nosso campo, que não tem como correr em um campo cheio de buracos, um preparador, que possa trabalhar com a gente. É o mínimo de cuidado, não estou pedindo muito, é só um apelo para que a gente tenha o mínimo.




A revolta da atleta vai além da pífia campanha do Sport no Brasileiro Feminino. Afinal, zero pontos conquistados em 11 jogos era algo esperado pela diretoria, que dissolveu o departamento inteiro no início do ano. Evidente que sofrer 46 gols e marcar apenas um não é algo fácil de digerir. Dói. Mas Sofia fala mais sobre respeito.

- Dá raiva, dá vergonha, a nossa campanha. Mas como a gente vai competir? A gente não tem sem sequer preparador físico. A gente treina três vezes por semana, quando dá. Eu só queria que a gente tivesse um pouco mais de consideração.

Natural da cidade de Feliz Deserto, Alagoas, Sofia carrega desde que criança o sonho de ser jogadora de futebol. A alerdada evolução da modalidade, em decorrência da repercussão da Copa do Mundo, deu esperanças. A fez aceitar o convite do Sport em junho deste ano. Era o início do que ela idealizava: jogar competições nacionais. A realidade, porém, machuca.

- Não falo só do clube, a logística da CBF, também. A gente tem que sair dos jogos correndo para ir para o hotel. Às vezes, gente tem que deixar as atletas lá no antidoping e ir para o hotel, se não não dá tempo. É humilhante. Parece que estamos pedindo um favor. Parece que aquilo ali é um favor. Tudo isso é muito humilhante. Ninguém, nem homem e nem mulher, queria passar por essa situação. É uma humilhação. Isso acontecer no Brasil, que se diz o país do futebol... não é assim que a CBF propaga?




Sem salários, fruto da política adotada pelo clube, que passa por graves problemas financeiros e optou por demitir as 23 atletas que tinham carteira assinada, ainda em fevereiro, Sofia sabe das condições do clube. Se não contar com incentivo financeiro incomoda, a falta de apoio frustra.

- Às vezes, você tem um sonho e, quando vê ele de perto, vira pesadelo. É triste você lutar tanto, buscar tanto e sempre ser tratada dessa forma. Jogo desde pequena, nunca tive um salário, mas eu só queria mais respeito com a gente.

No Sport, o desabafo da atleta é visto com naturalidade. Ciente da fala de Sofia e dos problemas estruturais do clube, o presidente, Milton Bivar, não deu esperanças de dias melhores, nesta temporada.


- O Sport está passando por gravíssimos problemas financeiros. Não temos condições de investir mais. Sobre o campo, nós estamos fazendo um trabalho para melhorar e vamos ajustar. Sobre a preparação física, a treinadora faz essa função.

A fala do clube carrega o cenário bem conhecido por Sofia. No dia em que faz 25 anos, ela tem a consciência de que o caminho para a melhora é longo e, principalmente, demorado. Nada que, segundo ela, tire a vontade que nasceu ainda nas ruas de terra de Feliz Deserto.



- Não tem presente maior do que eles respeitarem a gente. Não de salários, não. É na forma que somos tratadas. Os clubes grandes, tudo bem, mas a gente não tem o Sport como um clube pequeno, jamais. Eu vejo o Sport como um clube grande e não quero perder essa visão, mas é o que está acontecendo. Eu só queria igualdade e que os outros clubes também fizessem isso. Mas independentemente de qualquer coisa, desistir eu não vou. Desistir é uma palavra que não tenho na minha vida. Não vou desistir de forma alguma.

Através da assessoria de imprensa, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), disse que o procedimento adotado com o futebol feminino é o mesmo estabelecido em todas as competições da entidade.

- A saída do estádio, diretamente, para o aeroporto é um procedimento adotado, sempre que possível e os horários permitem, em todas as competições organizadas pela CBF para adequar a programações dos clubes aos voos disponíveis.

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