quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Dona Severina, 116 anos, 'menina moça' do Alto do Refúgio, ganha homenagem no Carnaval

Moradora do Alto do Refúgio, em Nova Descoberta, D. Severina é tida como a segunda mulher mais velha do mundo

Dona Severina, 116 anos, será homenageada no bloco 'Deixa Falar'

O fôlego (ou a falta dele) permitiu a contagem até o 120º degrau, faltavam mais outros tantos para a casa de Dona Severina Conceição, moradora do Alto do Refúgio, em Nova Descoberta, Zona Norte do Recife. Antevendo o quão ofegante chegaria a reportagem da Folha de Pernambuco, ela já aguardava sorridente, no portão, para soltar a primeira de muitas “alfinetadas” que viriam depois.

“É por isso que eu digo que sou uma menina”, frase repetida mais vezes no decorrer da conversa, como uma espécie de recado para os mais novos e menos risonhos, distantes de sua inteireza aos 116 anos devidamente provados por ela mesma, que apressou-se em tirar da bolsa o RG, que marcava o ano de 1904 e o município de Escada como local de nascimento.

"Subo e desço isso aqui que nem sinto", reforça ela. E quer saber? É bem verdade. Sendo essa apenas uma das tantas façanhas da segunda mulher mais velha do mundo - a primeira é moradora do Japão e tem 117 anos, de acordo com o livro dos recordes.

Na próxima segunda-feira (24), Dona Severina vai ganhar as ruas do bairro de Casa Amarela, em carro aberto, em meio à multidão que acompanha o bloco "Deixa Falar", como homenageada da festa. Embora assuma que não é "tão carnavalesca assim", o vestido está sendo costurado e a sombrinha de frevo, confeccionada. "Gostava muito de olhar, ver o povo passando, mas nunca fui de sair em troças não. Eu vou desfilar, querem que eu vá e eles vêm me buscar, então eu vou", adianta ela ao presidente e fundador do bloco, José Muniz da Silva, o "Moura", há 28 anos à frente da folia no bairro e que, nesta edição, terá como atrações As Amigas e Carlinhos Beleza, além de trio elétrico.

"Já tivemos Getúlio Cavalcanti, Lia de Itamaracá, Silvério Pessoa, Maestro Forró e outros nomes importantes, como Dona Severina será este ano, porque ela representa a vida, é um símbolo de alegria e disposição, serve de inspiração para todos nós. Fizemos questão de celebrá-la, porque chegar aos 116 anos e como ela está, é uma benção", ressalta.


Dona Severina, 116 anos, será homenageada no bloco 'Deixa Falar'
Dona Severina, 116 anos, será homenageada no bloco 'Deixa Falar' - Crédito: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

Lúcida, falante, ouvindo tão bem o tanto quanto enxerga, Dona Severina dorme tarde e acorda cedo e mantém, com rigor, a rotina de cozinhar, arrumar a casa, costurar e assistir a novelas, alternando entre a casa dela e da filha, Amara da Conceição, 82 anos, distantes poucos metros - ela é a mais velha dos três filhos que restam vivos, entre os dezesseis que foram gerados.
"Eu só sei dizer quantos filhos eu tive, mas netos e bisnetos parei de contar faz é tempo. As meninas escrevem e me dizem", confessa, esquecendo de citar, também, os tataranetos - em números, extraídos de um caderno de anotações guardado na estante da sala, ela é avó de 33 pessoas, bisavó de outras 91 e tataravó de 31. "Só casei uma vez, mas namorei muito, nem sei lhe dizer com quantos", diverte-se, em meio a gargalhadas.
Religiosa e assídua frequentadora do Morro da Conceição, santa a quem tem devoção, ela mal espera o final da pergunta e já se antecipa à resposta de dizer que, sim, sobe até a imagem de Nossa Senhora todos os anos. "Pergunte ali a ela", sugere, olhando para a filha, que confirma e reforça a disposição da mãe centenária. "Se deixar ela vai sozinha". Destemida quanto ao futuro, seu desejo é ultrapassar os meses e anos que se avizinham, não dando espaço em nenhum momento ao assunto "morte", mesmo quando sutilmente o tema naturalmente vinha à tona.
"Eu vou passar daquela outra lá, que já tá bem velha, né?", ironiza Dona Severina, referindo-se à japonesa cronologicamente um ano à sua frente. "Só estou com um probleminha no coração, fui ao médico e ele passou remédio. Já terminei de tomar e não estou sentindo é nada". Questionada sobre sua vaidade - diante de um par de brincos reluzentes que estampavam suas orelhas, ela foi enfática: "E eu morri, foi? Sou é menina moça, e sou é feliz, não me arrependo de nada do que fiz e nem reclamo da minha vida, porque Deus não quer isso da gente", arremata - mas não sem antes oferecer um bolo feito por ela, nas primeiras horas da manhã, assim que acordou.

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