quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Orla do Recife Antigo, 23h20

Por Luiz Pessoa
Sueide se desestabilizou depois de perder a mãe e ficou em difíceis condições. Vive na rua pedindo e catando latas para sobreviver / Foto: Luiz Pessoa/ NE10
Sueide se desestabilizou depois de perder a mãe e ficou em difíceis condições. Vive na rua pedindo e catando latas para sobreviverFoto: Luiz Pessoa/ NE10
- Minha casa não tem porta, não tem banheiro, não tem janela, é só a entrada e o colchão. Eu vivo pedindo porque não tenho o que comer, quase nunca, com os poucos centavos que tenho com as latinhas e com pequenas doações não consigo comprar nada.

Estou em desespero há mais ou menos oito meses que foi quando mãe faleceu. Entrei em depressão, bebi tudo o que tinha, vendi quase tudo. Ai, pára gente que tá feio!

 ... o mundo seria mais amor e menos ódio. Não seria melhor assim? Sueide


- E a senhora tem família?

- Olhe, meu filho, eu detesto mentira, ela sempre tem perna curta. Se eu for dizer a você que não tenho, eu vou mentir, mas se você tem um filho e parentes que não te ajudam, não te dão uma roupa, não te dão uma sandália nenhum apoio, como posso dizer que tenho? Ai, pára gente, que tá feio!

- E se a senhora tivesse algo a dizer para o mundo o que seria?

- Minha gente, o mundo precisa de menos egoísmo. Aquele rico ali, por exemplo, uma dia ele pode estar aqui na minha posição, e ninguém pensa nisso. As pessoas precisam compreender a dor dos outros e só entender. Ninguém tem obrigação de dar nada a ninguém, mas se todo mundo fizesse como minha comadre que quase não tem o que comer também, mas divide um tiquinho que tem comigo, e ainda me oferece mais, o mundo seria mais amor e menos ódio. Não seria melhor assim? 


Sueide Nascimento, ex-empregada doméstica, 44 anos.
SOBRE A SIGA A RUA
O submundo que nos rodeia é algo que passa desapercebido por muitos. O intuito desta coluna é mudar essa perspectiva. O universo da rua é algo prolixo e controverso, das belezas arquitetônicas erguidas às histórias pessoais mais diversas, de amor, ódio, desprezo, loucura e desapego.

Tenho conversado com pessoas que retratam narrativamente essa vida sofrida e extraio dessas conversas seus pontos cruciais de externação sobre estas experiências, às vezes tão sórdidas e amargas, que me remetem a uma reflexão interna. É isso que quero trazer; uma contemplação de uma realidade dura e crua que nos fortaleça mediante às adversidades.

Os textos que posto a seguir são verídicos, histórias narradas e gravadas que uso como base para a minha pesquisa. Muitos são abordados por curiosidade e empatia, outros quase que ao acaso. Não escrevo conclusões por achar que o leitor sentirá a necessidade de fazer por si próprio. Agradeço a todos que lerem e se sentirem atraídos pela proposta deste veículo e, se se sentir à vontade, utilize a hashtag #sigaarua nas redes sociais, para que possamos disseminar esse conteúdo e que todos vejam a realidade que nos circunda e continua, até então, invisível.
*As colunas assinadas não refletem, necessariamente, a opinião do NE10

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.