Os Saudosos da Concórdia: depois do aperto, apenas passagem
Sem o Galo da Madrugada, a Rua da Concórdia transformou-se numa via de acesso como tantas outras para tristeza dos moradores-foliões. Fotos: Luiz Pessoa/Portal NE
Antes o ponto de maior agregação de foliões – era tanta gente para tão pouco espaço que mal se via o chão – a Rua da Concórdia tem dois humores desde 2011, quando deixou de fazer parte do percurso. No cruzamento com a Rua Imperial, justamente onde fica a sede do Galo da Madrugada, ainda respira-se o ar abafado, sente-se um bafo quente subir do chão e só dó para andar de lado, ou ‘de banda’ como costumamos dizer aqui em Pernambuco. Do meio para a frente é uma rua qualquer, uma mera via de acesso ao desfile do maior bloco de Carnaval do mundo. Onde se passava lentamente, quase se arrastando, espremido entre o companheiro do lado e o trio elétrico, agora se anda em passo acelerado, quase correndo, para não perder nenhum detalhe da festa.
Uma orquestra itinerante contratada pela Prefeitura do Recife fica para cima e para baixo na Concórdia. Provavelmente para animar muito mais os comerciantes, cujas caras ficam mais tristes à medida que se avança rua adentro, do que para lembrar aos súditos do Galo que ali onde eles passam já foi uma das maiores concentrações de gente por metro quadrado do Recife. Só quando ela chega perto da esquina com a Imperial é que os metais ganham fôlego extra e percussão bate mais forte.
Quem vive na Rua da Concórdia tem impressões diferentes. O radialista Celso Almeida, por exemplo, é do time dos indiferentes. Para ele, o fluxo de gente continua o mesmo, a diferença é que agora as pessoas apenas passam. “Ainda tem muito fluxo. O que acabou foi aquele ‘furdunço’ (grande concentração de gente, em bom pernambuquês). Agora dá para transitar. Os problemas de furto e brigas também não tem mais. Mas fico aqui embaixo do prédio brincando da mesma maneira”, disse.

As almas remontam ao primeiro desfile do Galo. Foto: Luiz Pessoa/Portal NE10A publicitária Tereza Guimarães viu o Galo nascer e só de Rua da Concórdia tem 24 anos. Mesmo quatro anos depois ela diz que a falta da multidão se espremendo na porta da casa de sua mãe ainda é chocante. Além da memória afetiva ela enumera a perda que muita gente teve com a migração dos camarotes para outros lugares. “Aqui mesmo fazíamos um camarote para a família. Muita gente por aqui perdeu dinheiro”.

Na Dantas Barreto o folião ganhou mais espaço. Foto: Wladmir Paulino/NE10
O comerciante Dinílson Ferraz tem uma loja de acessórios para motos na rua e o amor pelo Carnaval é tão grande que ele dorme no estabelecimento para não perder um segundo sequer. Essa mesma dimensão do amor é transformada em saudade dos tempos de aperto. “Agora não presta mais não. Só presta quando o povão está no meio’.
Equanto isso, na Dantas Barreto – a via substituta da Rua da Concórdia – a multidão que se comprimia na Concórdia consegue dobradiças, tesouras e parafusos – alguns passos mais famosos do frevo – com a facilidade de quem dança na sala da própria casa. Os camarotes em tom intimista montados nos apartamentos e lojas da Concórdia deram lugar a superproduções de metros e metros de comprimento e ventiladores com umidificador de ar. Mas é justo que se constate, também abriu espaço para arquibancadas e um bom espaço para quem tem dificuldade de locomoção.
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