terça-feira, 10 de novembro de 2015

Quando pedir esmolas é um hábito, não uma necessidade

Germana MacambiraDo NE10
Muitas crianças crescem com o hábito de pedir e acabam deixando de brincar ou ir à escola  / Foto: Marcos Michael/arquivo/JC Imagem
Muitas crianças crescem com o hábito de pedir e acabam deixando de brincar ou ir à escolaFoto: Marcos Michael/arquivo/JC Imagem

“Minha filha, não vou mentir. O básico - feijão, arroz e uma mistura - nunca faltou em minha casa. Mas uma ‘coisinha’ melhor, diferente, não é sempre que posso e, por isso, eu saio, sim, para pedir a quem tem mais do que eu”.
A declaração é da dona de casa  Denise Augusto da Silva. Aos 59 anos, viúva, mãe de dois filhos e avó de dois netos, ela recebe um salário mínimo por mês de uma pensão deixada pelo marido falecido há, pelo menos, dez anos. 
Em meio aos ares natalinos que já toma conta das ruas e espaços do Recife, chega a hora de pelo quinto ano consecutivo, Denise pegar o ônibus com destino às imediações das ruas Sete de Setembro, no Centro da Cidade. É por lá que ela pretende passar os próximos dias - pelo menos até as vésperas do Natal. É de lá, também, que ela quer arrecadar dinheiro para comprar o presente dos netos. 

“Ainda não sei se este ano vou dar um helicóptero de controle remoto para o David ou um jogo de televisão (video game). E para o pequenininho vai ser umas piscina de plástico mesmo”, revelou Denise, que já chegou a juntar até R$ 1 mil em "esmolas". 
Denise integra o percentual de mulheres, homens e crianças que, digamos, não precisam, mas saem às ruas para ‘viver’ da solidariedade que aflora com mais evidência nessa época do ano. Surge, então, o questionamento sobre a ação de dar esmola. É correto? Ou o fato de ceder contribui, de alguma forma, com o hábito de viver nas ruas. Indo um pouco mais além, há uma maneira mais adequada de ajudar o próximo, especialmente nessa época do ano em que o aumento de pedintes no Recife aumenta cerca de 40%, de acordo com números fornecidos pela Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.
“Primeiro é lamentável que tenhamos essa necessidade de pedir esmolas. Ou poderíamos chamar de tradição, costume, vício dessas pessoas que estão nas ruas pedindo? É difícil chegar a um consenso”, ressaltou a professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Conceição Lafayette.
Por vezes o ato de dizer ‘não’ pode ser injusto, assim como o ‘sim’ pode culminar em uma contribuição implícita a um fato que está arraigado entre nós. "Não temos um modelo ideal de crianças em escolas e pais trabalhando. O Estado precisa cuidar dessa parte, é claro. Mas talvez também possamos contribuir mudando essa ‘cultura’ de dar o peixe sem ensinar a pescar", complementou a professora.
DAR OU NÃO DAR ESMOLAS - Que o instinto de caridade no Natal aflora a sensibilidade de boa parte da população, é inquestionável. E que há pessoas ‘verdadeiramente’ necessitadas por um prato de comida, também não está na ‘pauta’ para debate. O mote está em como fazer, onde fazer e para quem fazer. 
Os sinais de trânsito, os espaços tomados sob os viadutos e as ‘moradias’ provisórias que aumentam, consideravelmente, nessa época do ano, podem - ou pelo menos, deveriam - despertar boas reflexões por parte das pessoas ‘do lado de cá’.
“É um tempo que, sem querer, faz a gente repensar muita coisa. E eu confesso que fico mais sensível e acabo juntando moedinhas para dar, principalmente para pessoas de idade que ficam sentadas nas calçadas do Recife”, confessou o comerciante Carlos Ferreira.
Na contramão desse pensamento e avesso a qualquer clima natalino, está o estudante universitário Carlos Batista. “Não dou esmolas de jeito nenhum. É muito comum alguém que vem pedir dinheiro dizendo que está com fome e quando você oferece comida, a pessoa recusa. Vai usar o dinheiro para quê, então?”, questiona.
“A sociedade deve refletir sobre o ato de dar ou não esmolas, seja em que época do ano for. Claro que agora há um excesso, uma certa banalização e isso dificulta diferenciar o que é um hábito ou uma necessidade. O ideal é direcionar as pessoas para projetos sociais que apoiem o direito universal da dignidade da pessoa humana”, concluiu Conceição Lafayette que reitera, aqui, o bom e velho 'dito' de que o melhor não é dar o peixe mas ensinar a pescar.

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